Imagine a cena:
Sobre a mesa de trabalho de Fernanda, ameaça alçar voo um bilhete despretensioso. Uma lufada mais forte e o papelzinho voa, indo parar certeiro na mesa de Paulo. Em letras maiúsculas, o colega lê:”Falta óleo de peroba”.E assim, um simples lembrete da diarista de Fernanda, por conta de uma brisa matreira, vira motivo de discussão entre os dois colegas. Tudo porque Paulo, sabendo-se um tanto desligado, ignorava o fato de que aquele mísero papel não era uma indireta, mas um pedido de compra.
Engraçado, não? Contudo, essa situação hipotética ilustra bem algo que, infelizmente, parece tornar-se mais frequente que os casos de contaminação pelo Corona Vírus, isto é, a ignorância a respeito de algo elementar na comunicação humana: o contexto — ou, em se tratando de literatura, os gêneros literários.
Assim como aquilo que dizemos situa-se num todo que lhe dá pleno sentido, assim também os livros têm cada um o seu “lugar” no universo literário. Em outras palavras, assim como uma declaração de amor, feita ao ouvido da pessoa amada, não convém à indicação de um lugar de destino solicitado a um taxista, assim também não convém procurar descrições do funcionamento dos órgãos internos de um sapo num livro de receitas. A cada coisa, o seu lugar.
O contexto, bem como o gênero literário, funcionam como uma espécie de moldura, que delimita e confere características específicas àquilo que é comunicado. Trata-se, portanto, de um aspecto essencial que não pode ser menosprezado, sob pena de prejudicar gravemente o conteúdo daquilo que é transmitido. Ler poesia como prosa, tomar um conto por uma epopéia, procurar veracidade em ficção é prova de tal ignorância.
Mas por que, afinal, estamos falando disso? Porque aqui no Clubinho Literário nós procuramos sempre diversificar os gêneros oferecidos aos nossos pequenos leitores. Já tivemos poesia, teatro, romance, e até mesmo hagiografia e biografia! Uma “dieta” literária variadíssima! Mas convém observar: dentre todos os gêneros listados, estes dois últimos se distinguem dos demais por uma característica fundamental: trata-se de não-ficção, ou seja, são os únicos nos quais espera-se veracidade, realidade; nos demais, não.
Citando nominalmente, referimo-nos aos títulos “Legenda áurea para meus afilhados”, de Henry Daniel-Rops, “Lírios eucarísticos”, de Dom Joaquim G. de Luna e “O anjo da escola”, de Raïssa Maritain. Todos os demais já publicados aqui no Clubinho são ficções, e não servem, obviamente, a nenhum propósito que os tome de maneira distinta. E caso ainda haja quem cometa uma tal confusão após a leitura deste texto, bem, voltamos ao parágrafo inicial: falta óleo de peroba.